“Não são produtos sustentáveis, busco produtos com menor impacto ambiental e com maior impacto social possível.” (Christian Ullmann)

Christian Ullmann é Especialista em design sustentável. Formado em desenho industrial pela Faculdade de Arquitetura, Design e Urbanismo de Buenos Aires, reside no Brasil desde 1996. Recebeu prêmios na Itália, Brasil e Argentina com móveis residenciais, de escritório e objetos. Professor do IED-SP, pesquisador do Núcleo de Design & Sustentabilidade da UFPR, colunista da Revista abcDesign, Rede Latinoamericana de Design e do Portal Design Brasil. Desde 2001, é sócio diretor do escritório iT Projetos, atuando como consultor especializado em desenvolvimento de produtos com responsabilidade sócio-ambiental.

Christian nos recebeu em seu apartamento cheio de personalidade expressa em livros, artesanatos, desenhos do filho espalhados pela casa e a gatinha Mia. Foi possível conhecer um pouco da família antes mesmo de conhecê-los. A conversa fluiu com certo sotaque, mas o recado ficou claro: ou nós resolvemos o problema ou a natureza resolve. Entre conflitos e confusões típicos do momento que vivemos, fiquei impressionada com a simplicidade e cortesia com as quais olha o mundo, sua profissão e sua família.

Habitare: O poder de consumo é maior que o poder de voto?
Christian Ullmann: Ezio Manzzini (autor desta frase) é um teórico italiano muito bom, inteligente, gosta de brincar com as palavras. Ele tem uma visão romântica e hoje necessária de mudar o mundo. Ele diz que a mudança tem que ser radical e mudança radical significa parar tudo o que estamos fazendo e fazer tudo diferente. Entende que é difícil, mas continua com essa postura, o que é muito bom, pois as pessoas precisam entender que fazemos tudo errado desde a hora que acordamos até que nos deitamos. Mas também não dá para “cambiar da noche” para a manhã. O sistema não está pronto para aceitar um novo modelo e não podemos mudar de uma maneira que as coisas fiquem piores. O que temos que mudar é o modo de pensar, ou provocar para que as pessoas comecem a enxergar o outro lado. Eu aceito e entendo a frase dele. Mas seja no voto ou no consumo, somos ainda muito manipulados.
E o mercado tem uma desonestidade que está crescendo nos últimos 50 anos. Tem um documentário de uma pesquisadora americana que se chama Annie Leonard, que fala sobre os processos industriais, sobre a desonestidade envolvida neste modelo – “A história das coisas” (vale a pena ver). Recentemente eu vi na BBC uma matéria, eles filmaram uma empresa terceirizada da Apple que fabrica ipads e ipods na China, empresa que nos últimos anos teve 18 funcionários que se suicidaram dentro da fábrica, porque ninguém aguenta o ritmo de trabalho, ganham pouco, ficam longe da família etc. No entanto, nós seguimos comprando e consumindo, mas qual o custo de tudo isso? O que tem por traz que ninguém conta?
Essa desonestidade é o ponto onde o mundo tem que ter uma grande mudança.

H: Você tem um projeto que une design, artesanato e trabalho social em comunidades locais de várias regiões do país. Seria esse um caminho para promover as mudanças sociais?
C: Eu e a Tânia (esposa) criamos há 15 anos o projeto Oficina Nômade, começamos na Amazônia, mas outros estados nos chamaram e hoje temos a oportunidade de trabalhar em várias regiões do Brasil. Este trânsito geográfico nos facilita entender o melhor modo de agir em cada região, cada comunidade.
No início, a ideia era trazer a produção local para as grandes capitais, mas logo entendemos que este não era o melhor caminho. Há alguns anos mudamos o nosso modo de trabalho. Por que não desenvolver esse produto para vender no mercado local? O artesanato se relaciona com o turismo e o turismo está relacionado com a beleza da cidade, geografia, tradição, folclore, festas, comidas etc. A economia local começa a se desenvolver. Este é um assunto da sustentabilidade: cultura e autonomia da economia local. Quando começamos a trabalhar lá, entendemos que o que eles (comunidades tradicionais) têm para nos oferecer é muito mais justo, honesto e inteligente do que o que nós temos para oferecer a eles.
É isso que empresas que trabalham com comunidades nativas e extrativistas também deveriam pensar: será que é realmente isso que eles querem? Ah, eles querem melhorar a vida, ok! Mas o que significa melhorar a vida, ter uma vidinha de novela das 8h?
A questão agora é como trazer aquele espírito rural, do interior para as grandes cidades. Essa é nossa proposta conceitual, é o que tentamos fazer quando um empresário nos abre espaço para discutir esse assunto desde a otimização dos recursos, mudança de material poluente por menos poluente, melhoria de processo de produção. Como recuperar tudo isso que era gostoso, digno, humano e trazer para nosso cotidiano, para nossas fábricas? Estamos caminhando e vamos encontrar esse equilíbrio.

H: O papel do designer está focado menos no produto e mais na forma como ele vai ser usado, compartilhado, reutilizado. Seria esse o papel dos designers na construção de soluções para mudar esse cenário?
C: O mundo do designer está mudando. Quando eu estudei em Buenos Aires, final de 80 início de 90, eu estudei para ser um desenhista industrial, para desenhar produtos e trabalhar dentro de um departamento de design de uma indústria. Isso não aconteceu nunca. Essa oportunidade nunca apareceu. Nos anos 90 os estudantes eram formados com uma visão mais empreendedora, para criar seus próprios negócios e, a partir de 2000, entra a ideia da sustentabilidade, de transformar um produto num conceito, num sistema de produto-serviço. Eu não necessito ter uma furadeira para utilizar 15 a 20 minutos durante todo o ano (segundo pesquisas), mas se o prédio tivesse uma furadeira todos poderiam tirar proveito; se tivesse uma máquina de lavar por andar, os 4 apartamentos podiam combinar entre eles e todos utilizariam esse produto. É preciso esse ‘pensar diferente’, voltar à coletividade, ao comum.
Vamos enfrentar muitos desafios nos próximos anos, o Brasil está em destaque com os eventos esportivos internacionais, vai ter dinheiro sendo gasto, e aí que o design, pensando de forma ampla, gera oportunidades. O que a escola de Bauhaus definiu design como desenvolvimento de produto, hoje está sendo chamado de design thinking, isso significa que utilizo as ferramentas do design em todas as áreas de negócios: ideia, pesquisa, desenvolvimento, testes, erros, concertos, novas tentativas e aí entra em produção.
Mas, se por um lado temos um grupo trabalhando neste sentido, por outro temos o universo do design e da decoração muito ligado ao que é moda, ao que é tendência e uma necessidade grande de trocar as coisas, o que é insustentável. Ainda o que vemos são empresas usando todas essas ferramentas, mas utilizando-as com a mente velha, inescrupulosa e com ambição desmedida.

H: Você é um propagador dessa ideia nova e sustentável…
C: Aos poucos eu levo essas ideias, eu gosto de trabalhar com os estudantes. As crianças já estão envolvidas, é uma esperança. É complicado explicar para meu pai, que nunca precisou, pois é de uma época que não tinha tantas embalagens, sobre a reciclagem, mas para meu filho já é natural, desde criança brincamos com ele: em qual lixeira devemos jogar o plástico, o papel, alumínio etc. Para meu filho é uma brincadeira, para meu pai é difícil entender e pra mim é uma atitude de consciência. As novas gerações é que vão gerar as novas oportunidades. A grande pergunta é: será que o planeta vai esperar?
Devagar, devido às tragédias como tsunamis, por exemplo, um país deixa de produzir energia atômica… Com tecnologia, com mudanças catastróficas, vamos indo. Somos 7 bilhões e o equilíbrio com certeza é com menos pessoas, ou a tecnologia vai evoluir muito, ou o ser humano vai evoluir muito, ou a natureza resolve o problema.
Para mudar tudo isso é preciso pensar que país queremos. Será que não existe um outro modelo? Será que não podemos pensar em uma nova proposta?
A ideia de sustentabilidade chegou num estágio tão sofisticado e elevado que é muito difícil massificá-la. Por enquanto, a ideia de sustentabilidade é não usar sacolinha plástica no supermercado e ponto.
Para construir uma sociedade mais sustentável tem que mudar o modo de pensar, tem que querer algo diferente. Acredito que ainda não estamos no momento, no ponto certo, discutimos, discutimos, mas a preocupação ainda não é a sustentabilidade, ela ainda é uma desculpa para se vender mais. Que bom que o assunto entrou na pauta, mas que pena que ainda não é o foco.
Eu fico me perguntando: como nós enxergamos isso e os outros não? Por que os que estão em cargos que têm maior poder de ação e influência não o fazem? Não pensam nisso?

Otimista e realista, Christian Ullmann não fantasia. O caminho para essa mudança exige esforço inividual e coletivo e faz cada um de nós protagonistas e responsáveis por ela. Fica aqui o recado: que país queremos sustentar? Será que não existe outro modelo? Será que não podemos pensar em uma nova proposta?