Esteta atemporal de uma geração que afinou as ‘lentes’ da moderna arquitetura brasileira, o engajado arquiteto André Vainer atua fortemente por décadas ajudando a modelar o Brasil e a sua cultura

Quando projetou uma casa/estúdio para um renomado fotógrafo automobilístico, no bairro Vila Madalena, em São Paulo (capital), em parceria do seu então sócio Guilherme Paoliello, Vainer já contava com inúmeras obras, como produtoras de cinema, residências e uma série de Ateliês, que deixavam a marca de sua assinatura. A casa era um desafio devido aos declives geográficos que se dividiam em dois níveis, nos quais a porção anterior, de frente para o encontro entre a rua Natingui e outra pacata rua transversal, construiu um discreto bloco monolítico grafite de dois pavimentos, que abriga a recepção, lavabos e um escritório. Sua regularidade espartana é rompida por janelas e porta que, fora de esquadro, projetam-se para o exterior. A porção posterior do terreno é ocupada em toda sua largura pelo galpão do estúdio, de 200 m².

Branco, leve, metálico e com uma estética industrial recorrente em outros projetos do escritório, tais como a Agência Neogama e o restaurante Ritz, no Itaim Bibi, o galpão estabelece com o bloco de escritório uma relação de oposição, como a de positivo e negativo fotográficos. “Fotografia e arquitetura são profissões muito próximas. Ambas trabalham essencialmente com volumes, com luz”, comenta Vainer. “Então, projetar estúdios é um trabalho muito querido”, acrescenta. O projeto ganhou menção honrosa na sétima Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, em 2007.

Discípulo ‘mor’ da mitológica arquiteta italiana Lina Bo Bardi, com quem trabalhou durante os anos de execução do afamado prédio do Sesc Pompeia (ele participou da elaboração de todo o projeto juntamente da autora nos idos anos de 1970), formou-se pela FAU como arquiteto e urbanista em 1980 e foi sócio de Paoliello até o ano de 2009. Neste escritório, a dupla conquistou importantes prêmios da IAB nos anos de 2000, 2002 e 2004; Prêmio Master Imobiliário em 2000; nas II, IV, VI e VII Bienais Internacionais de Arquitetura de São Paulo e na premiação Top XXI da revista Arc Design em 2007. Sobre a mestra onipresente e referência internacional, ele acompanha a evolução de sua obra com a atualização do Sesc ainda hoje: “A Lina naqueles anos teve enorme liberdade que, hoje, seria impossível de ser adotada na arquitetura. Muitos anos depois da morte da Lina é que fomos começar a fazer adaptações relativas, por exemplo, à questão da acessibilidade!”

Muito maior que um simples ‘construtor de formas’, o gênio inquieto de Vainer funcionou sempre como um iconoclasta da cultura nacional que transforma a ótica subjetiva da sua profissão em texturas sutis e visa contemplar a funcionalidade social e criar acesso para construções democráticas nas quais a população possa interagir e ser recebida. Prova disso é a recente e completa reestruturação do MAM-BA (Museu de Arte Moderna da Bahia). Além de requalificar todas as estruturas do museu, a reforma traz uma série de benefícios para os visitantes e fomenta ainda mais o acesso do público à cultura. O foco de Vainer permanece o mesmo: a preservação do importante acervo de 1.164 obras, criadas por diferentes gerações de artistas, principalmente do Modernismo baiano e brasileiro, a ampliação do Núcleo de Arte e Educação e a promoção da acessibilidade de pessoas com deficiência a todos os espaços do MAM-BA. “O MAM já nasceu de um projeto que previu atrair as pessoas não só para ver as obras, mas para frequentar, trabalhar e conviver. Eu vejo o MAM como um centro cultural, que tem inúmeros espaços de convivência, até mesmo uma praia que pode ser usufruída pelas pessoas”.

Dono de uma biografia ímpar dentro da arquitetura nacional, André Vainer dispõe de um acervo imenso em sua obra, que contém inúmeras exposições, como A arquitetura política de Lina Bo Bardi (Sesc Pompeia, 2014), Fragmentos: arquitetos populares, o olhar de Lina Bo Bardi (Solar do Ferrão, Pelourinho BA, 2009), Cinépolis Bob Wolfenson (MAM-BA, 2009), assina uma linha extensa de mobiliário que leva a sua marca com belíssimas peças que se caracterizam pelos traços da leveza e do minimalismo com luminárias, cadeiras, bancos, mesas e itens diversificados. São dele algumas das obras comerciais mais badaladas e importantes, como os restaurantes paulistanos Falafa e o Spot JK, assim como a academia Butoku-Kan e o SENAC Taboão da Serra.

Atento ao lume da atualidade, em conexão com um passado arquitetônico polivalente e magnânimo, André Vainer mantém os passos firmes rumo a um futuro de constante transformação e afia as suas lentes a projetar estúdios, prédios e residências como se fosse o fotógrafo do poeta Manoel de Barros:

“Preparei minha máquina de novo:
Tinha um perfume de jasmim num beiral de um sobrado .Fotografei o perfume
Vi uma lesma pregada mais na existência do que na pedra. Fotografei a existência dela
Vi ainda azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão
Vi uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre”.

André Vainer é um homem do seu Tempo, o qual fotografou na construção preponderante de sua arte. A foto saiu legal!

Rock Zanella – rock.zanella@gmail.com