Mayumi foi um divisor de águas de profunda importância para a nossa Educação e formação da Arquitetura enquanto um definitivo social

Praticamente ignorada pelas novas gerações (tanto que o seu nome não figura hoje dentre a lista do site Wikipedia na internet e não se tem sequer uma imagem da própria na rede), Mayumi foi e continua sendo como o significado de seu próprio nome nos sugere: um divisor de águas de profunda importância para a nossa Educação e formação da Arquitetura enquanto um definitivo social.

Mayumi (que em hebraico quer dizer Água) era filha do Japão, nascida em 1934 e migrou para o Brasil onde veio a se formar Arquiteta e se naturalizou no ano de 1956. Atuou por aqui junto de nomes emblemáticos como Joaquim Guedes, Lina Bo Bardi, Vilanova Artigas, Niemeyer. Mas foi com o seu Mestrado na área de História e Filosofia da Educação que ela deu início a uma saga que mudaria para sempre a maneira de implantar escolas, ocupar espaços e intervir positivamente na sociedade pela qual se sentia responsável.

Regida por uma rigorosa ética de trabalho, visando à construção de espaços educativos de qualidade e à formação de arquitetos que fossem “capazes de responder às efetivas demandas sociais”, ela defendia a concepção e o uso do espaço de uma escola com um caráter educativo. Em suas atividades, buscava ensinar os usuários das escolas a “ler o espaço“ de maneira crítica: compreender como aquele espaço foi construído; como ele reflete a organização da sociedade; perceber-se como sujeito no mundo; saber-se capaz de transformar o espaço e de construir o novo. Seu objetivo era a formação de cidadãos com consciência crítica para a participação ativa na construção do espaço da democracia.

Professora de uma época histórica da Universidade de Brasília (1961-64) e de outras várias escolas e universidades de São Paulo, Watanabe se dedicou com real afinco à formação de homens e profissionais para uma nova sociedade. Trabalhou na construção de complexos escolares e universitários, quase sempre em órgãos públicos, e nunca se deixou seduzir pelo poder. Foi superintendente do Conesp (Companhia de Construções Escolares do Estado de São Paulo/ 1975-9 e 1983-4) e na gestão Erundina frente ao Cedec (Centro de Desenvolvimento de Equipamentos Urbanos e Comunitários/ 1989-92) teve crucial importância quando dirigiu a experiência (hoje abandonada) da produção de elementos pré-fabricados para equipamentos sociais urbanos, que possibilitou a montagem de escolas públicas compatíveis com as necessidades do país.

A colaboração anterior de Mayumi com o arquiteto João Filgueiras Lima (Lelé), que desenvolveu, em Salvador, Rio de Janeiro e Brasília, um sistema para a construção de pré-fabricados foi extremamente profícua. Assim, foram projetadas e construídas inúmeras escolas, como as melhores que o setor privado faz para a classe média, incluindo biblioteca, laboratório, sala de artes plásticas e de informática, e o equipamento das áreas externas com instrumentos lúdicos para a melhoria da formação da criança. Superou-se, deste modo, o dilema qualidade versus quantidade, que marca os serviços públicos, quase sempre em detrimento da primeira.

Ao longo de mais de trinta anos de trabalho junto a educadores, administradores de ensino básico, creches e crianças fora e dentro de instituições, a arquiteta discutiu e analisou questões relativas aos espaços destinados à criança em nossa sociedade. Seguindo nessa linha de trabalho, publicou dois livros: Espaços Educativos, uso e construção (Brasília, MEC/CEDATE, 1986) e A Cidade e a Criança (São Paulo, Nobel, 1989). Era aliada ao Partido Comunista e teve importante papel na discussão sobre a atuação profissional dos arquitetos a partir da crítica ao modo de produção capitalista. Colocava seus alunos em contato com as favelas no primeiro ano de estudo, buscando a politização dos estudantes. Acreditava na arquitetura aliada às mudanças sociais.

Segundo acreditava Mayumi, “a dimensão e a complexidade das transformações necessárias não podem constituir pretextos para que mudanças imediatas não sejam realizadas”. Pudessem ouvi-la com bastante atenção os nossos atuais governantes, a nossa Pátria Educadora deixaria de ser apenas um sonho e se faria de tijolos e livros para se tornar uma possível realidade. Infelizmente, Mayumi Watanabe, que lutou por um Brasil melhor, nos deixou em 1994 vitimada por um atropelamento de moto quando um motoqueiro desavisado cruzou fatalmente o seu destino.